Com sua licença, falemos do Futebol da Bahia
Eu queria, de fato, não falar sobre futebol. Eu apenas queria partilhar das dores inerentes às mais de quatrocentas mil mortes pela Covid-19; esperava que a bola não rolasse enquanto perdurasse a pandemia; imaginei não ver um desrespeito à fila de vacinação para que um mero entretenimento fosse assegurado.
Eu queria agora tão somente criticar as tristes falas da “CPI da COVID-19”, com a infeliz proteção, por alguns, de atitudes indefensáveis. Queria falar da retomada da fome e da miséria no Brasil, da mentirosa disputa entre vida e economia, mas não: o futebol da Bahia nos obriga a falar sobre ele.
Vencedor da Copa do Nordeste, apesar de um início de temporada de altos e baixos, o Bahia provoca em seus torcedores, especialmente à “geração Fast Clube”, nesses momentos de sucesso, certo saudosismo daqueles tempos menos gloriosos, ou uma busca das razões que lhes fizeram sustentar tanta paixão pelo Clube.
É impossível, caro leitor tricolor, não pensar no quanto foi sofrido perder para o Paulista naquele último jogo de 2005, ter que torcer para o Colo-Colo na final do baiano, ser goleado pelo Ferroviário e ainda perder para o Ipatinga em 2006: como foi difícil ver o Bahia penar dois anos numa amarga e sofrida Série C do Campeonato Brasileiro.
Entretanto, não só de dores se viveu esse amarga fase. Inegavelmente, jamais poderá ser esquecido aquele gol de Sorato contra o Ananindeua, ou mesmo o último gol do Bahia e de Ávine na velha Fonte Nova, naquele 3x0 sobre o ABC, ambos os jogos com estádio lotado. Como se esquecer da dupla formada por Moré e por Nonato e, principalmente, do gol de Charles “pé de coelho,” aos 49 minutos do segundo tempo?
Apesar do período espinhoso e da inexplicável classificação ao octogonal final em 2007, o que mais marcou foi a força da torcida tricolor, pois o orgulho de vestir a camisa azul, vermelha e branca nunca desapareceu. Nesse tempo, houve a capacidade de reconhecer as limitações da equipe, mas, ainda assim, um ímpeto para defendê-la e acreditar que um futuro melhor estaria a vir. A torcida do Bahia jamais deixou de querer o Bahia.
E o sentimento de saber que o Clube, de fato, é seu, se consolidou em 2006, quando cerca de 50.000 (cinquenta mil) torcedores se dirigiram ao Campo Grande, para caminhar à Castro Alves, com o intuito de reivindicar o Bahia para si e, a partir dali, iniciar o processo de retomada do Clube, que se consagraria com a democratização.
Foi a torcida do Bahia quem fez o Bahia subir, foi a torcida do Bahia quem decidiu que o Bahia percorreria por outros rumos. Por isso, em momentos de sucesso, inevitavelmente, o saudosismo ressurge. Resultados positivos são importantes, mas para aqueles que seguem o esquadrão, parece que importa mais o comportamento do Clube, a história que ele percorre; parece que esse torcedor espera mais é que o Bahia continue sendo seu, pois, de alguma maneira, a torcida se sente - e é - parte integrante e fundamental do Bahia e não abre mão dessa condição.
Para ratificar esse comportamento, basta lembrar as fortes críticas feitas ao elenco do primeiro semestre de 2020 que, apesar de chegar à final da Copa do Nordeste e ser campeão baiano, não agradava ao torcedor, pois não lhe permitia se ver dentro de campo. Se faltou raça e vontade em algum momento, o torcedor bateu pé firme e, da sua forma, buscou outro Bahia, o que ele queria ver em campo; um Bahia em que ele pudesse se ver.
O título vencido no último dia 8 de maio é fruto da ótima gestão do Presidente Bellintani - que mais uma vez acerta ao criticar o calendário da FBF, ressalte-se -, do ótimo comportamento desse atual elenco e da comissão técnica, mas, sem dúvidas, é fruto desse jeito da torcida, de jamais aceitar o pouco, de nunca deixar de reivindicar o Bahia que ela quer.
Por outro lado, o grande rival do Tricolor revive dificuldades já sofridas no ano de 2005, com o rebaixamento à série C, e 2006, com a perda da final do baiano ao Colo-Colo. Obviamente, a queda para a série C ainda não ocorreu no presente ano, mas, infelizmente, parece próxima, se a análise for feita a partir da história do clube.
Assim como em 2005, observa-se especialmente no torcedor rubro-negro certo descrédito e afastamento do time, uma dificuldade em falar sobre o assunto futebol e, certamente, se fosse possível, pouco interesse em dirigir-se ao estádio Barradão.
A torcida do Vitória não consegue neste momento se identificar com o seu clube, pois não se enxerga nas posturas do campo e, principalmente, dos camarotes.
Não se verá um fiel torcedor aos goles alcoólicos e risos, por exemplo, enquanto a equipe sofre contra frágeis adversários do campeonato baiano. Não se verá um torcedor, de maneira boquirrota, ofender outrem, ao invés de reconhecer as fragilidades da equipe e buscar adequadas soluções para que seja possível alcançar o engrandecimento do seu time.
É preciso que os rubro-negros, assim como fizeram em tempos recentes, voltem a querer um Vitória do seu jeito, para assim reformular o clube, conforme as próprias vontades, sem abrir mão da conquistada democracia, olhando ao passado para relembrar as suas vitórias, mas se afastando de certas práticas, em busca de um novo e totalmente distinto futuro.
*Leonardo Romeiro é advogado, amante do futebol e atento ao mundo oculto da bola.
Foto: Pietro Carpi / ECV
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