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O caso da Portuguesa

por Maria Alice Menezes em 26 de Dezembro de 2013 22:39

Na justiça desportiva, a bola continua rolando pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. No dia 16 de dezembro, a Primeira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD-, por unanimidade, aplicou à portuguesa penalidade prevista no art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Diante do Grêmio, pela última rodada do Brasileirão, no dia 08 de dezembro, o atleta Hérveton foi escalado aos 32 minutos do segundo tempo, apesar de ter sido julgado pelo STJD e dever cumprir suspensão nos dois jogos subsequentes, o que incluía este.

Ocorre, por sua vez, que a perda de pontos da Portuguesa suscita alterações substanciais na tabela de classificação do brasileirão de 2013, provocando o seu rebaixamento para série B e, de outro vértice, o retorno do Fluminense à elite do Campeonato.

E, caso o Pleno se pronuncie pela mudança do julgamento, e, assim, devolvidos os pontos retirados, o rebaixamento poderá recair agora sob o Flamengo, que perdeu pontos por escalação irregular do lateral André Santos. Dessa forma, o Pleno do STJD precisará proferir decisões coerentes nos julgamentos do dia 27 de dezembro, afinal, existe uma concatenação lógica nas suas causas e consequências.

O presente artigo busca realizar, despretensiosamente, um levantamento das teses e argumentações envolvendo o tema, sem, contudo, esgotá-las. Para tanto, parte-se da procedência da denúncia formulada pela Procuradoria, sendo feito um recorte da posição de alguns especialistas em direito desportivo, contrapondo-se às normas previstas na legislação desportiva.

A priori, destaca-se que a aplicação do art. 133 e o cumprimento legalista do Código Brasileiro de Justiça Desportiva despertou a sensação de imoralidade e injustiça, afinal, a Portuguesa, na última rodada, não tinha sequer chances de cair, de outro lado, o Fluminense foi efetivamente rebaixado.

Todavia, é oportuno ressaltar que, para além da sensação de imoralidade, a Comissão Disciplinar do STJD, meramente, optou pela obediência ao disposto na legislação imediatamente aplicada aos casos da justiça desportiva.

Pode-se afirmar que representa, de fato, uma decisão legalista, entretanto, não casuística. O que, por sua vez, importa, teoricamente, na formação de um precedente jurídico portador de maior segurança para a Justiça Desportiva. Do contrário, decisão diversa e sumariamente casuística, causaria certo receio com relação ao subjetivismo presente nos julgamentos do STJD.

Por sua vez, revela-se latente, neste momento de ânimos elevados, a desconfiança e a falta de credibilidade da sociedade na Justiça Desportiva Brasileira que, infelizmente, ou já presenciou decisão diversa do mesmo tribunal, ou não acredita que seria esse o julgamento do STJD em situação semelhante, mas protagonizado por times diversos.

Não se pretende com tais afirmações concordar com a posição adotada pelo STJD, mas, sobretudo, destacar que não deve ser sumariamente taxada como absurda. Tal fato, entretanto, não despreza a necessidade de uma análise mais profunda das peculiaridades no caso da Portuguesa e da legislação desportiva.

O fato, então, levantou a polêmica, acendeu os ânimos dos torcedores e a arte da argumentação jurídica e política. Destaca-se que os personagens desta gangorra jus-desportiva, em realce, os indiretamente beneficiados, são os principais motivadores de tanta polêmica extra campo.

Em sede preliminar, observa-se que as diversas teses desenvolvidas buscam o sentido e abrangência das disposições normativas estabelecidas na legislação esportiva. Por relevante, afirma Álvaro Melo Filho que “na esfera jurídica não se aplica lei, mas a interpretação da lei, campo minado por subjetivismos, opiniões, valores e interesses de plantão, sobretudo na seara desportiva”.
A escalação irregular de um atleta sobrevém na hipótese de incidência estabelecida no art. 214 do CBJD, qual seja:

Art. 214 Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR).

§  1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator. (NR).

§  2º O resultado da partida, prova ou equivalente será mantido, mas à entidade infratora não serão computados eventuais critérios de desempate que lhe beneficiem, constantes do regulamento da competição, como, entre outros, o registro da vitória ou de pontos marcados. (NR).

§  3º A entidade de prática desportiva que ainda não tiver obtido pontos suficientes ficará com pontos negativos.

§  4º Não sendo possível aplicar-se a regra prevista neste artigo em face da forma de disputa da competição, o infrator será excluído da competição. (NR).


No entanto, reside no art. 133 do CBJD o ponto crucial das discussões jurídicas levantadas, pois estabelece o termo a quo para cumprimento das penalidades estabelecidas no julgamento.

Nesse diapasão, o prazo das decisões condenatórias provenientes da justiça desportiva, contar-se-á do dia seguinte à proclamação ou no primeiro dia útil subsequente, ou ainda será necessária à publicação?

Analisando o art. 43 do CBJD, extrai-se que trata de prazo para prática de atos processuais. Veja-se:

Art. 43 os prazos correrão da intimação ou citação e serão contados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento, salvo disposição em contrário. § 2º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante.

De outro lado, o art. 133 do CBJD, em que pese também trate de matéria de prazo, refere-se à decisão que produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação. Observa-se que os supramencionados artigos não são incongruentes ou contraditórios, em verdade, estabelecem campos de incidência normativa diversos.

Superada essa matéria quanto à incompatibilidade entre os artigos do CBJD, a Portuguesa tem outro sustentáculo de sua defesa erguida sob aspecto funcional, isto é, o erro no sistema de informação e atualização no BID da suspensão da CBF.

A CBF, por sua vez, para retirar a sua responsabilidade utiliza a previsão estabelecida no parágrafo primeiro do art. 57 do Regulamento Geral das Competições, qual seja:

Art. 57 - Perde a condição de jogo para a partida oficial subsequente da mesma competição, o atleta advertido pelo árbitro a cada série de três advertências com Cartões amarelos, independentemente da sequência das partidas previstas na tabela da competição.

§ 1º - O controle da contagem do número de cartões amarelos e vermelhos recebidos pelo atleta é da exclusiva responsabilidade dos clubes disputantes da competição, não cabendo à CBF nenhum tipo de obrigação ou responsabilidade nessa contagem, ainda que mantenha um sistema de contagem para o seu necessário controle administrativo.

 
De outro vértice, destaca-se, no entanto, que o parágrafo único do artigo 133 prevê que “nenhum ato administrativo poderá afetar as decisões proferidas pelos órgãos da justiça desportiva”, representando a autonomia das decisões desportivas, em detrimento de atos administrativos produzidos pelas entidades de administração esportivas.  Portanto, conclui-se que o BID da CBF não é suficiente para afastar o previsto no caput do art. 133.

Outra tese suscitada tem respaldo na aplicação do princípio da proporcionalidade que, embora não previsto expressamente na Constituição Federal, pode ser claramente inferido do seu texto, além de estar diretamente previsto no art. 2 do CBJD. Esta linha de defesa acaba por abarcar os princípios pro competitione e do espírito desportivo.

Para Ives Granda Martins, a punição da Portuguesa resulta em desproporcionalidade entre a aplicação da punição e a infração cometida, afirmando, inclusive, que “não havia razão para usar um jogador irregular, que não mudaria nada no jogo, porque o time poderia até perder”.

A partir da leitura sistemática do art. 214 do CBJD, extrai-se uma duplicidade de sanções para subsunção na hipótese de incidência da norma. Dessa forma, a perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição está atrelada ao caráter, verdadeiramente, punitivo da penalidade. De outro vértice, o caráter preventivo está previsto no § 1, isto é, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.

Esta dupla sanção, para Abdala, induz ao raciocínio de que a pretensão legislativa foi, simultaneamente, punir o clube infrator e desestimular os demais. Assim, interpretação teleológica da duplicidade das sanções previstas possibilita aplicação da proporcionalidade, só justificando aplicação dura do previsto quando adequado às necessidades das especificidades concretas. 
Observa-se, portanto, uma imperiosa necessidade de que a decisão concreta seja substancialmente proporcional e adequada, afastando-se de uma justiça meramente formalista.

Outro sustentáculo de defesa da Portuguesa, segundo Carlos Ambiel, encontra-se na lei 12.299 de 27/07/2010, que provocou alterações na forma de publicação de qualquer decisão da Justiça Desportiva. Neste ponto, cogente a análise do Capítulo intitulado “Da Relação Com a Justiça Desportiva” do Estatuto do Torcedor:

Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência.

Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.

§ 1o Não correm em segredo de justiça os processos em curso perante a Justiça Desportiva.

§ 2o As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sítio de que trata o parágrafo único do art. 5o.

Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35.


Segundo Ambiel, “nenhuma irregularidade ocorreu na escalação no atleta no dia 08.12.13, domingo, quando a punição sequer produzia efeitos. E aqui não se trata de tese que defenda a aplicação da penalidade no primeiro dia útil seguinte à publicação, como alguns tentaram sustentar sem sucesso, mas sim do respeito à disposição legal que só considerava válida a penalidade após sua publicação oficial no site da entidade de organização da modalidade. Se a publicação na internet tivesse ocorrido na própria sexta-feira (06.12.13) ou no sábado (07.12.13), o atleta deveria cumprir a suspensão no domingo (08.12.13), mas como a divulgação oficial somente ocorreu na segunda-feira (09.12.13), nada impedia a escalação do atleta na última rodada do campeonato”.

Ambiel afirma, ainda, que se os auditores mantiverem uma posição legalista a absolvição da Portuguesa será inevitável, pois a norma prevista no Estatuto do Torcedor se sobrepõe a do art. 133 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Afinal, trata-se de uma lei federal, em detrimento da natureza administrativa da norma do CNE - o CBJD, logo, hierarquicamente superior, em especial, por se tratar de um texto posterior.

Conclui Ambiel, “e se assim não ocorrer, como todos os fundamentos para a absolvição encontram-se no Estatuto do Torcedor, qualquer torcedor, da Portuguesa ou de outra equipe que jogou a Serie A, terá legitimidade e bastante facilidade em obter na Justiça Comum o restabelecimento da legalidade, devolvendo ao clube paulistano os pontos regularmente obtidos na competição”.

Em oposição, Mário Bittencourt refuta, afirmando “ser a construção da tese um direito de quem a escreveu, apesar de achar pouco ou nenhum fundamento nela. Aliás, quando o Estatuto do Torcedor fala em publicidade, não se refere a publicação e sim ao fato das sessões serem públicas sem segredo de justiça, e, vou além, mesmo que se entenda que ela fala de publicação, não se confunde com os efeitos da decisão porque o próprio artigo 133 é expresso que a decisão produz efeitos independente de publicação.”

Nessa linha argumentativa, assegura Vilaron que “em momento algum o Estatuto do Torcedor diz que a punição só vale a partir da publicação. Apenas obriga que a decisão do tribunal seja tornada pública. São brechas jurídicas. E parece que o texto (do Estatuto) é feito para confundir e não para esclarecer”.

Para Edio Leitão, não há que se falar em contrariedade entre aqueles artigos do estatuto do torcedor e o art. 133 do CBJD, já que não tratam de situações idênticas. “Aliás, o CBJD em seu artigo 1º, § 1º – é claro, legal e em plena vigência – demonstra quais são as pessoas físicas e jurídicas que lhe estão submetidas, o que exclui o torcedor, logo, ele não tem legitimidade para atuar na Justiça Desportiva e, nem esta, tem legitimidade para aplicar qualquer sanção em face do torcedor”.

Paulo Shimitt argumenta que nada mudou “simplesmente porque não há uma relação direta entre a publicidade e transparência com a condição de validade e eficácia das decisões na Justiça Desportiva, que não se assemelha em nada com a Justiça Comum”.
Com argumento divergente, Carlos Lessa explica que o Estatuto do Torcedor é constitucional, possuindo eficácia com a Justiça Desportiva. “O time da Portuguesa vem sendo alvejado com um tiro de canhão, uma pena insuportável, quando deveria receber uma simples pena de multa ou advertência. Dadas as circunstâncias, a aplicação da pena, tal como foi feito no dia 16/12/2013, demonstrou total desequilíbrio e falta de razoabilidade da decisão, o que por si só, contraria o Princípio Pro-Competitione, defendido por Álvaro de Melo Filho”.

O Pleno do STJD, diante das particularidades envolvidas neste caso, não deve ficar restrito a preservação absoluta da estrita legalidade. Revela-se cogente a proclamação de uma decisão lastreada em forte embasamento jurídico, na qual estejam presentes os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Decisão fundada na prevalência dos princípios desportivos, em detrimento da aplicação de uma regra específica, representa o lastro de uma justiça desportiva efetiva, que, teoricamente, poderia servir a qualquer das partes. No entanto, caso o Pleno manifeste-se pela preservação da decisão aplicada pela Comissão Disciplinar cogente a aplicação deste precedente em situações futuras e similares.

Diante de todo o aqui exposto, observa-se que o caso da Portuguesa, além de levantar o tapete da Justiça Desportiva e revelar suas incongruências técnicas e mazelas políticas, também gerou uma forte guerra de teses jurídicas, em muito, respaldadas pela própria paixão, característica forte no mundo esportivo. E, de outro modo, evidencia a visão deturpada que a sociedade tem da Justiça Desportiva brasileira.
 
Referências.
MELO FILHO, Álvaro.  Disponível em www.ibdd.com.br/index.php/colunas/rebaixamento-da-portuguesa-e-credibilidade-da-justica-desportiva/ .
MARTINS, Ives Granda. Disponível em logdojuca.uol.com.br/2013/12/tijolaco-em-quem-desrespeita-o-estatuto-do-torcedor.
ABDALA, Otávio Augusto Bastos. ABDALA, Samir Bastos. Disponível em www.blogdoiddba.com/2013/12/opiniao-ii-direito-desportivo-e.html.
AMBIEL, Carlos. Disponível em blogdojuca.uol.com.br/2013/12/artigo-que-condenou-a-lusa-e-ilegal.
BITTENCOURT, Mário. Disponível em www.lancenet.com.br/minuto/Advogado-Flu-jornalista-Juca-Kfouri_0_1050495129.html.
VILARON. Disponível em http://sportv.globo.com/site/programas/arena-sportv/noticia/2013/12/vilaron-contesta-artigo-que-pode-salvar-portuguesa-do-rebaixamento.html.
LEITÃO, Edio. Disponível em http://www.ibdd.com.br/index.php/colunas/o-caso-portuguesa-e-o-estatuto-do-torcedor.
SHIMITT, Paulo.  Disponível em http://blogdojuca.uol.com.br/.
LESSA, Carlos. Disponível em http://blogdojuca.uol.com.br/2013/12/tijolaco-em-quem-desrespeita-o-estatuto-do-torcedor.


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