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Foto: Reprodução
Neste último final de semana de março, será dada a largada do campeonato brasileiro de futebol. E a questão é a expectativa para nossa arbitragem. A simples mudança no comando da Comissão de Arbitragem da CBF, com a substituição de Wilson Seneme, que teve uma gestão desastrosa nos últimos 03 anos, por Rodrigo Martins Cintra, por si só, já nos alimenta da esperança de que as coisas vão melhorar, apesar de Cintra ainda não ter experiência como dirigente e, sequer, como instrutor de arbitragem, mas que em campo, quando atuou como árbitro, revelou um conhecimento refinado das regras do jogo e da essência do futebol.
Para essa esperança ser transformada em realidade, Rodrigo Cintra terá que realizar um trabalho hercúleo, pois no setor há muitos destroços. O primeiro e seguramente o mais importante passo a ser dado por Cintra será o de resgatar a autoestima dos árbitros, dando-lhes tranquilidade para trabalhar e os acolhendo quando errarem, sem, pois, os expor a punições públicas, que a nada conduzem, mas só enfraquecem o moral dos árbitros, como fez Seneme, sobretudo de modo seletivo, para escamotear suas falhas e transferir a responsabilidade pelos erros de sua administração.
Esse acolhimento, todavia, não significa deixar de atribuir as devidas responsabilidades aos que errarem. Para estes, orientações e treinamentos serão indispensáveis, assim como um maior número de designações para os mais competentes deve acontecer.
Agindo assim, Rodrigo Cintra já terá dado um grande passo, que, todavia, não será o bastante. Além disso, é imperioso que seja adotada uma forma de arbitragem segura e tecnicamente harmonizada com as regras do futebol, por meio de ações que resgatem a autoridade dos árbitros, a fluidez do jogo e a ética que desapareceram de nossos campos. Para tanto, serão necessárias medidas técnicas e disciplinares bem definidas e padronizadas.
Exemplos de algumas delas são: não permitir interferência externa de treinadores e jogadores reservas, que exageram em reclamações e invasões de campo, que normalmente têm passado sem a devida atitude da arbitragem; também é preciso combater firmemente o que até já virou uma nefasta tradição de nosso esporte: o fato de os jogadores impedirem as cobranças rápidas das faltas e as recolocações da bola em disputa pelos goleiros, sem que os árbitros adotem qualquer medida; ademais, é preciso acabar com as marcações de impedimentos vencidos, quando a bola já estiver na posse livre da defesa, principalmente nas mãos dos goleiros, pois essas paralisações, além de ferirem a regra de ouro da vantagem, prejudicam absurdamente a fluidez do futebol; de igual modo, é imperioso que haja respeito à regra do jogo em relação às infrações de mão na bola, que exigem que se leve em conta os movimentos feitos pelos jogadores, quer estejam tentando jogar ou disputar a bola, quando os braços são necessários para lhes dar equilíbrio, impulso e/ou velocidade, quer em situações que ocorram fora do contexto das jogadas, ou seja, em distância apenas hábil para os bloqueios da bola, que requerem pleno cuidado com os braços.
Tudo, enfim, sem dar a falsa impressão de que os braços abertos, por si só, são sinônimos de falta, tampouco que os fechados são excludentes de infração.
A análise dos movimentos praticados pelos jogadores e os contextos das jogadas é que são a base de tudo; outrossim, é preciso respeitar o sentido da regra no tópico entradas (carrinhos), porquanto o tocar a bola, por si só não é excludente de infração, tampouco não tocar caracteriza falta.
A regra, neste particular, objetiva preservar a integridade física dos jogadores. Logo, havendo risco de lesão aí estará a falta, com ou sem toque na bola. Em contrapartida, não havendo risco de lesão, não haverá falta, ainda que a bola não seja tocada; igualmente importante, é a questão das já vulgares, comuns mesmo paralisações do jogo, quando um jogador cai, mas sem indício ou sintoma de gravidade.
A regra prevê as hipóteses em que o jogo deve ser paralisado. Essa prática tem sido agravada com atendimento dos jogadores em campo até para pisão em unha, ainda que não encravada; também é importante lembrar que o árbitro de futebol não se compara a árbitro de box.
Desse modo, salvo rápidas ações preventivas, o árbitro não pode entrar quase que em luta corporal para separar jogadores que se hostilizam e, por consequência, perder a visão geral dos incidentes; também não é possível esquecer do posicionamento dos árbitros em campo, pois hoje o sábio e eficiente sistema da diagonal está em desuso e o que se vê são árbitros correndo para lá e para cá desenfreadamente e sem analisar o contexto das jogadas.
Por isso comumente atrapalham o jogo e não têm boa visão das jogadas. Os deslocamentos dos árbitros devem ser táticos, não apenas físicos; no campo da tecnologia, o VAR precisa de um padrão de atuação bem definido e esclarecido para todo o mundo do futebol: corrigir erro claro, óbvio e com base, exclusivamente, em imagem clara, indiscutível.
Nesse passo, vale dizer que não é necessário que o erro seja grosseiro, basta que seja claro. Também é imprescindivel esclarecer que a atuação do VAR não depende de seu diálogo com o árbitro, pois, afinal, quando é preciso saber o que o árbitro viu ou interpretou, não se estará diante de erro claro, óbvio.
Logo, o diálogo do VAR com o árbitro tem efeito meramente secundário e nunca principal ou definitivo. Ainda sobre os VARs, é preciso orientá-los sobre o plano de câmeras de modo a agilizar e aperfeiçoar seu trabalho, sem depender dos operadores, que podem ajudar, mas que não são os responsáveis pelo resultado.
O VAR deve ser como um detetive: colocar o foco de sua lanterna, a partir da câmera certa, para clarear a imagem que precisa ser vista. Ponto extremamente relevante neste particular é a análise dos lances em todo o seu conjunto, com as imagens em dinâmica e nas velocidades que cada caso requerer, assim como com 01 ou 02 segundos antes e depois dos incidentes, nunca com a imagem parada, pois o ponto de contato que a imagem parada revela é apenas um elemento a ser analisado.
Afirme-se, por isso, que o domínio da tecnologia faz parte do ofício do VAR, como está previsto em nosso projeto, mas que, lamentavelmente, vem perdendo sua essência. Em resumo e como visto apenas com essas diretrizes, as deficiências de nossa arbitragem são muitas e o trabalho a ser feito é imenso, exige paciência e perseverança.
Não obstante, se evoluirmos apenas nesses aspectos já teremos dado um passo grande e muito útil para nosso futebol. Para quase encerrar, faço um alerta a Rodrigo Martins Cintra: o tal Conselho de "notáveis", que é mais fruto de jogada política do presidente da CBF do que busca de eficiência, deve ser ouvido com a devida cautela, pois o comando é de quem está no batente.
Por fim, Rodrigo Cintra, sugiro que você atue de frente com o mundo do futebol, reconhecendo os erros quando eles ocorrerem, pois isto além de ser imperativo eticamente, ao contrário do que se imagina, protege os árbitros, a CBF e o próprio futebol. Desejo Sorte para você Rodrigo Martins Cintra e para seus pares, assim como para nossos árbitros e para nosso futebol.